Oficinas para professores da rede municipal de Viana – Exposição Silentio

Exposição Silentio de José Rufino, Viana ES
Projeto “Re-Invenção de uma cidade”, curadoria Neusa Mendes
Curadoria pedagógica Erly Vieira Junior e Célia Ribeiro

Oficinas para professores da rede municipal de Viana Texto: Célia Ribeiro Fotos: Gibran Chequer
Os professores do ensino fundamental de Artes e Geografia da rede municipal participaram de oficina voltada para a discussão dos conceitos, da metodologia e da fatura envolvidos na exposição Silentio de José Rufino, realizada na Galeria de Arte Casarão em Viana ES em 2010. Essa atividade faz parte do A oficina disseminou as possibilidades de interlocução entre a exposição e múltiplas disciplinas, bem como propôs atividades para serem desenvolvidas em sala de aula. A partir da visitação interativa à exposição, da assistência de vídeos e de discussões mediadas por informações e imagens, foi sugerido o desenvolvimento da atividade de fatura do livro de artista nas aulas de Artes e Geografia. Os vídeos projetados durante a oficina foram: “Experiência de José Rufino em Viana – do processo criativo à montagem da exposição Silentio”, de Bruno Oliveira e Gibran Chequer; e “Murmúrio” de Erly Vieira, que mostra o envolvimento do artista com um grupo de estudantes da rede municipal de Viana, durante um encontro na cidade.
(Vídeos disponíveis em www.artepatrimonio.wordpress.com)







Oficina experimental para deficientes visuais

de compreensão do campo visual dos videntes, e de leitura tátil de imagens bidimensionais


Entre agosto e novembro de 2009 foi desenvolvida no setor Braille da Biblioteca Pública do ES a Oficina experimental de leitura tátil de imagens bidimensionais, frequentada por nove usuários do setor, cegos ou com baixa visão, duas tardes por semana. A metodologia foi testada em interlocução com Maria Joana de Souza, bibliotecária responsável pelo Setor, as técnicas Bernadete Costa e Elizabeth Mutz, o professor José Carlos da Silva, e com os participantes Fábio Busato, Fernanda de Oliveira Basílio, Gledson Gomes, Hérica Micheli Ferreira, Ingrid Araújo Soares, Leizimara Silva dos Santos, Lucileide Alvarenga A. de Souza, Nathieli Carolina Ferreira e Wanderson Campos de Souza.
A proposta dessa oficina surgiu a partir da exposição Camille Claudel - a sombra de Rodin, de curadoria de Romaric Sulger Büel, no Museu de Arte do Espírito Santo - MAES, entre agosto e novembro de 2006, quando respondia pelo setor de ação-educativa do museu em parceria com Renato Saudino.
Nessa mostra algumas esculturas foram disponibilizadas para deficientes visuais apalparem. Essa experiência bem sucedida gerou o desafio de estender o acesso aos deficientes visuais às demais exposições do MAES.



Como as obras de artes visuais são criadas para serem vistas, mesmo quando apelam a outros sentidos, como é comum na produção contemporânea, o desenvolvimento de uma proposta de inclusão de deficientes visuais a exposições supõe a compreensão do que seja a experiência visual dos videntes, de como ocorre a apreensão visual do mundo à frente do observador, e o entendimento dos mecanismos implícitos na transcrição de imagens “do mundo” tridimensional para suportes bidimensionais palpáveis a que denomino foto-de-recorte e foto-objeto


1º contato com os frequentadores do setor Braille da Biblioteca Pública do ES
O contato inicial com o setor Braille causou-me duas fortes sensações: de encantamento com o ambiente profissional e cordial dominante no setor Braille e de perda de chão de minhas certezas a respeito do primado da visão.
A rotina do setor Braille extrapola o atendimento profissional previsto para uma biblioteca. Funciona também como um centro de vivências onde os freqüentadores além de pesquisarem informações em livros em Braille e em mídias digitais, são estimulados a refletirem sobre temas da atualidade e a enfrentarem desafios para se incluírem em várias esferas da sociedade. Além disso, o ambiente afável implementado por Joana favorece o desenvolvimento de práticas solidárias entre os usuários do setor.
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Setor Braille da Biblioteca Pública Estadual

Convivendo com os deficientes visuais freqüentadores da Biblioteca Pública vislumbrei novas maneiras de percepção do mundo e das pessoas, e estratégias adotadas para se incluírem em uma sociedade pouco aparelhada para recebê-los.


O contato com a possibilidade de captar o mundo e vivenciar as relações entre humanos sem o assédio imperativo e caótico de imagens a que estamos submetidos, por sua vez, fez-me sentir deficiente. Esse abalo reverteu uma reação condolente e piegas que me era bastante comum quando em presença de deficientes: a de buscar dar amparo ao que se julga frágil, sem dar conta de que a fragilidade e o caos são constitutivos da vida.


A oficina

As etapas da proposta inicial das atividades da oficinavoltada para introduzir noções de campo visual dos videntes, e da lógica que rege a transcrição de objetos tridimensionais para suportes bidimensionais, foi mantida. Principiamos pela apresentação unitária de objetos de uso cotidiano com lados simétricos (caixas de leite, latas de achocolatados e vasilhames de sucos, por exemplo), para serem reconhecidos pelo tato e relacionados com fotos-objeto dos mesmos. Paulatinamente introduzimos objetos (leiteiras, cafeteiras, açucareiros, vidros de perfume) e situações mais complexas, como posicionamento variado de utensílios com lados assimétricos e uso de composições sem e com sobreposição visual.


Posteriormente trabalhamos com o corpo humano utilizando imagens fotográficas de modelo de homem e de mulher de pé, em postura frontal, de costas e de perfil e dos participantes. Finalmente foram realizados dois passeios cujo registro fotográfico deu origem a fotos-objetos.


Fotos-objetos - fotografias trabalhadas com relevo para destacar planos, com interferência de linhas sulcadas, algumas vezes recortadas e/ou incluindo partes decartadas, como um quebra-cabeça.

Material didático

Quando a oficina foi pensada propunha-se, como fases intermediárias ao manuseio das fotos-objetos que retratavam composições de utensílios e cenas dos passeios, o uso de maquetes tradicionais e do que nomeamos maquetes bidimensionais.
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As maquetes bidimensionais, em material resistente, seriam compostas pelos planos de profundidade da cena dos objetos, encaixados verticalmente sobre uma base, passíveis de formarem um quebra cabeça quando desmontados. Serviriam de passagem para a compreensão do que seja uma foto-objeto e, consequentemente, do campo visual dos videntes.
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Como a oportunidade de realizar a oficina como funcionária do Instituto Jones dos Santos Neves na Biblioteca Pública Estadual não previa verba para a confecção das maquetes, suprimimos esta etapa.
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Fotos-objetos aa

A confecção das fotos-objetos passou por mudanças significativas na medida em que foram sendo testadas e analisadas em conjunto com os freqüentadores da oficina. Nas áreas coladas das primeiras fotos foram utilizados papéis de baixa gramatura, gerando sobreposições tênues, que eram complementadas com ranhuras produzidas por pontas-secas, instrumento utilizado para confeccionar gravuras em metal.

Embasava essa proposta a suposição de que os participantes da oficina deteriam uma sensibilidade tátil apurada. Entretanto, apenas os cegos de nascença possuíam essa destreza, possivelmente desenvolvida com o uso da leitura em Braille. Já os participantes que se tornaram cegos recentemente, e não dominavam essa linguagem, tiveram dificuldade de identificar as alterações criadas.

A partir dos comentários durante os encontros introduzimos modificações na confecção das fotos-objetos. Uma alteração visou realçar a espessura das áreas de planos. Já nas fotos de composições foi produtivo permitir a retirada das peças correspondentes a cada objeto ou grupamento, como em um quebra-cabeça.

Passeio na Praça do Papa - foto-objeto quebra-cabeça

Passamos com frequencia a recortar o contorno do objeto ou de um conjunto para permitir, além de um tatear, o manuseio da foto buscado quase que instintivamente entre os participantes da oficina. Adotamos também o uso de fotos coloridas devido à curiosidade dos participantes sobre as cores das roupas, objetos, prédios e elementos da paisagem retratados.

Passeio no Museu Ferroviário da Vale do Rio Doce – fotos-objetos de locomotiva com participantes e detalhe

Fotos-objetos dos passeios - paisagens
As cenas dos passeios, devido à complexidade de informações e sobreposições, tiveram que ser introduzidas destacando alguns elementos e suprimindo outros.
Quando apresentamos, por exemplo, a foto-objeto com participantes brincando nas gangorras tendo ao fundo um prédio, os participantes tiveram dificuldade em compreendê-la. Oferecemos então uma foto-objeto de recorte das pessoas na gangorra e outras duas do prédio, expondo sua fachada frontal e lateral, permitindo discutir a proposta do arquiteto de assemelhá-lo a um navio.
Outra solução produtiva foi expor amplitudes diferentes de um espaço. Um exemplo disso foi a foto de grupo na Praça do Papa tendo ao fundo um navio, notificado na ocasião por Joana aos participantes. Este navio foi apresentado ampliado em outra foto-objeto para melhor contato tátil.

Este artifício também foi utilizado na cena do bar do vagão no Museu da Vale do Rio Doce. Ela foi trabalhada em três fotos-objeto: uma panorâmica que incluía o bar, outra do complexo do bar (o vagão e a área coberta) e finalmente de uma cena interior com três participantes juntos a uma árvore situada na área coberta.

As fotos panorâmicas de paisagens foram bem recebidas e propiciaram situar o entorno da região visitada. Serviram também para ilustrar comentários de videntes sobre a paisagem, como foi o caso do deslumbramento expresso no momento em que subíamos o mirante localizado na Praça do Papa.

A foto dessa paisagem além de descortinar o panorama com que se deparam os videntes, viabilizou uma discussão estética sobre os elementos visuais que possivelmente os encanta, como a repetição de padrões presentes nas formas arredondadas das pedras em primeiro plano e das montanhas ao fundo, o contraste entre as áreas com texturas (da vegetação rasteira, dos musgos nas pedras, dos barquinhos, prédios e matas nos morros) e o plano liso do espelho da água do mar. A presença predominante de formas arredondas, por sua vez, criam uma atmosfera de aconchego e envolvimento.

Vista panorâmica a partir do mirante da Praça do Papa - foto-objeto com relevo e textura

Percebemos que o ideal seria apresentar fotos-objetos de vários ângulos de cada elemento com que entram em contato durante o passeio, antes de expô-los incluídos em uma cena. Essa proposta não invalida o trabalho com vistas onde o excesso de sobreposições apresenta o caos visual a que os videntes entram em contato diariamente. Estas situações propiciam introduzir, por exemplo, o conceito de foco.


A apresentação de mapas em relevo sobre o espaço a ser visitado, bem como do percurso entre ele e a Biblioteca Pública podem funcionar como importantes ferramentas de compreensão do espaço urbano e da região do passeio.
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O corpo nas fotos-objetos dos passeios

A construção de fotos-objeto a partir dos registros realizados durante os passeios permitiu, aos participantes, o contato com posturas variadas dos próprios corpos e os dos amigos em situações diversas como caminhadas, subida de morro e em ônibus, brincadeiras em balanços e gangorras, acrobacias nos portais dos trens, etc.
Essa experiência propiciou relacionar o próprio corpo com os dos demais e com objetos e equipamentos urbanos como ônibus, prédios, paisagens.


Agradecimentos
Ao Instituto Jones dos Santos Neves que me liberou por quatro meses duas tardes semanais para desenvolver este trabalho em parceria com a Biblioteca Pública Estadual.
À Rita de Cássia Maia, diretora da Biblioteca Pública Estadual do Espírito Santo, pela receptividade à proposta da oficina.
A Maria Joana de Souza, bibliotecária responsável pelo Setor Braille da Biblioteca Pública, e a sua equipe, Bernadete Costa e Elizabeth Mutz, pelo acolhimento, apoio e acompanhamento crítico durante todo o processo, indispensáveis para o amadurecimento da proposta da oficina.
Ao professor José Carlos da Silva por suas observações e sugestões.
Aos participantes da oficina, Fábio Busato, Fernanda de Oliveira Basílio, Gledson Gomes, Hérica Micheli Ferreira, Ingrid Araújo Soares, Leizimara Silva dos Santos, Lucileide Alvarenga A. de Souza, Nathieli Carolina Ferreira e Wanderson Campos de Souza, pelo envolvimento e disponibilidade durante todas as atividades sugeridas, e por ampliarem minha visão sobre os sensores que dispomos para captar o mundo e a vida.