

Atividades de ação educativa em espaços de arte coordenadas por Maria Célia Chaves Ribeiro


Como as obras de artes visuais são criadas para serem vistas, mesmo quando apelam a outros sentidos, como é comum na produção contemporânea, o desenvolvimento de uma proposta de inclusão de deficientes visuais a exposições supõe a compreensão do que seja a experiência visual dos videntes, de como ocorre a apreensão visual do mundo à frente do observador, e o entendimento dos mecanismos implícitos na transcrição de imagens “do mundo” tridimensional para suportes bidimensionais palpáveis a que denomino foto-de-recorte e foto-objeto
Setor Braille da Biblioteca Pública Estadual
Convivendo com os deficientes visuais freqüentadores da Biblioteca Pública vislumbrei novas maneiras de percepção do mundo e das pessoas, e estratégias adotadas para se incluírem em uma sociedade pouco aparelhada para recebê-los.
O contato com a possibilidade de captar o mundo e vivenciar as relações entre humanos sem o assédio imperativo e caótico de imagens a que estamos submetidos, por sua vez, fez-me sentir deficiente. Esse abalo reverteu uma reação condolente e piegas que me era bastante comum quando em presença de deficientes: a de buscar dar amparo ao que se julga frágil, sem dar conta de que a fragilidade e o caos são constitutivos da vida.
A oficina

Posteriormente trabalhamos com o corpo humano utilizando imagens fotográficas de modelo de homem e de mulher de pé, em postura frontal, de costas e de perfil e dos participantes. Finalmente foram realizados dois passeios cujo registro fotográfico deu origem a fotos-objetos.
Fotos-objetos - fotografias trabalhadas com relevo para destacar planos, com interferência de linhas sulcadas, algumas vezes recortadas e/ou incluindo partes decartadas, como um quebra-cabeça.
A confecção das fotos-objetos passou por mudanças significativas na medida em que foram sendo testadas e analisadas em conjunto com os freqüentadores da oficina. Nas áreas coladas das primeiras fotos foram utilizados papéis de baixa gramatura, gerando sobreposições tênues, que eram complementadas com ranhuras produzidas por pontas-secas, instrumento utilizado para confeccionar gravuras em metal.
Passeio na Praça do Papa - foto-objeto quebra-cabeça
Passamos com frequencia a recortar o contorno do objeto ou de um conjunto para permitir, além de um tatear, o manuseio da foto buscado quase que instintivamente entre os participantes da oficina. Adotamos também o uso de fotos coloridas devido à curiosidade dos participantes sobre as cores das roupas, objetos, prédios e elementos da paisagem retratados.
Passeio no Museu Ferroviário da Vale do Rio Doce – fotos-objetos de locomotiva com participantes e detalhe
Fotos-objetos dos passeios - paisagens
As cenas dos passeios, devido à complexidade de informações e sobreposições, tiveram que ser introduzidas destacando alguns elementos e suprimindo outros.
Quando apresentamos, por exemplo, a foto-objeto com participantes brincando nas gangorras tendo ao fundo um prédio, os participantes tiveram dificuldade em compreendê-la. Oferecemos então uma foto-objeto de recorte das pessoas na gangorra e outras duas do prédio, expondo sua fachada frontal e lateral, permitindo discutir a proposta do arquiteto de assemelhá-lo a um navio.
Outra solução produtiva foi expor amplitudes diferentes de um espaço. Um exemplo disso foi a foto de grupo na Praça do Papa tendo ao fundo um navio, notificado na ocasião por Joana aos participantes. Este navio foi apresentado ampliado em outra foto-objeto para melhor contato tátil.
Este artifício também foi utilizado na cena do bar do vagão no Museu da Vale do Rio Doce. Ela foi trabalhada em três fotos-objeto: uma panorâmica que incluía o bar, outra do complexo do bar (o vagão e a área coberta) e finalmente de uma cena interior com três participantes juntos a uma árvore situada na área coberta.
As fotos panorâmicas de paisagens foram bem recebidas e propiciaram situar o entorno da região visitada. Serviram também para ilustrar comentários de videntes sobre a paisagem, como foi o caso do deslumbramento expresso no momento em que subíamos o mirante localizado na Praça do Papa.
A foto dessa paisagem além de descortinar o panorama com que se deparam os videntes, viabilizou uma discussão estética sobre os elementos visuais que possivelmente os encanta, como a repetição de padrões presentes nas formas arredondadas das pedras em primeiro plano e das montanhas ao fundo, o contraste entre as áreas com texturas (da vegetação rasteira, dos musgos nas pedras, dos barquinhos, prédios e matas nos morros) e o plano liso do espelho da água do mar. A presença predominante de formas arredondas, por sua vez, criam uma atmosfera de aconchego e envolvimento.
Vista panorâmica a partir do mirante da Praça do Papa - foto-objeto com relevo e textura
Percebemos que o ideal seria apresentar fotos-objetos de vários ângulos de cada elemento com que entram em contato durante o passeio, antes de expô-los incluídos em uma cena. Essa proposta não invalida o trabalho com vistas onde o excesso de sobreposições apresenta o caos visual a que os videntes entram em contato diariamente. Estas situações propiciam introduzir, por exemplo, o conceito de foco.

A construção de fotos-objeto a partir dos registros realizados durante os passeios permitiu, aos participantes, o contato com posturas variadas dos próprios corpos e os dos amigos em situações diversas como caminhadas, subida de morro e em ônibus, brincadeiras em balanços e gangorras, acrobacias nos portais dos trens, etc.
Agradecimentos
Ao Instituto Jones dos Santos Neves que me liberou por quatro meses duas tardes semanais para desenvolver este trabalho em parceria com a Biblioteca Pública Estadual.
À Rita de Cássia Maia, diretora da Biblioteca Pública Estadual do Espírito Santo, pela receptividade à proposta da oficina.
A Maria Joana de Souza, bibliotecária responsável pelo Setor Braille da Biblioteca Pública, e a sua equipe, Bernadete Costa e Elizabeth Mutz, pelo acolhimento, apoio e acompanhamento crítico durante todo o processo, indispensáveis para o amadurecimento da proposta da oficina.
Ao professor José Carlos da Silva por suas observações e sugestões.
Aos participantes da oficina, Fábio Busato, Fernanda de Oliveira Basílio, Gledson Gomes, Hérica Micheli Ferreira, Ingrid Araújo Soares, Leizimara Silva dos Santos, Lucileide Alvarenga A. de Souza, Nathieli Carolina Ferreira e Wanderson Campos de Souza, pelo envolvimento e disponibilidade durante todas as atividades sugeridas, e por ampliarem minha visão sobre os sensores que dispomos para captar o mundo e a vida.