Oficinas para professores da rede municipal de Viana – Exposição Silentio
Oficina experimental para deficientes visuais
A proposta dessa oficina surgiu a partir da exposição Camille Claudel - a sombra de Rodin, de curadoria de Romaric Sulger Büel, no Museu de Arte do Espírito Santo - MAES, entre agosto e novembro de 2006, quando respondia pelo setor de ação-educativa do museu em parceria com Renato Saudino.
Nessa mostra algumas esculturas foram disponibilizadas para deficientes visuais apalparem. Essa experiência bem sucedida gerou o desafio de estender o acesso aos deficientes visuais às demais exposições do MAES.
O contato inicial com o setor Braille causou-me duas fortes sensações: de encantamento com o ambiente profissional e cordial dominante no setor Braille e de perda de chão de minhas certezas a respeito do primado da visão.
A rotina do setor Braille extrapola o atendimento profissional previsto para uma biblioteca. Funciona também como um centro de vivências onde os freqüentadores além de pesquisarem informações em livros em Braille e em mídias digitais, são estimulados a refletirem sobre temas da atualidade e a enfrentarem desafios para se incluírem em várias esferas da sociedade. Além disso, o ambiente afável implementado por Joana favorece o desenvolvimento de práticas solidárias entre os usuários do setor. a
Setor Braille da Biblioteca Pública Estadual
Convivendo com os deficientes visuais freqüentadores da Biblioteca Pública vislumbrei novas maneiras de percepção do mundo e das pessoas, e estratégias adotadas para se incluírem em uma sociedade pouco aparelhada para recebê-los.
O contato com a possibilidade de captar o mundo e vivenciar as relações entre humanos sem o assédio imperativo e caótico de imagens a que estamos submetidos, por sua vez, fez-me sentir deficiente. Esse abalo reverteu uma reação condolente e piegas que me era bastante comum quando em presença de deficientes: a de buscar dar amparo ao que se julga frágil, sem dar conta de que a fragilidade e o caos são constitutivos da vida.
A oficina
Posteriormente trabalhamos com o corpo humano utilizando imagens fotográficas de modelo de homem e de mulher de pé, em postura frontal, de costas e de perfil e dos participantes. Finalmente foram realizados dois passeios cujo registro fotográfico deu origem a fotos-objetos.
Fotos-objetos - fotografias trabalhadas com relevo para destacar planos, com interferência de linhas sulcadas, algumas vezes recortadas e/ou incluindo partes decartadas, como um quebra-cabeça.
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Como a oportunidade de realizar a oficina como funcionária do Instituto Jones dos Santos Neves na Biblioteca Pública Estadual não previa verba para a confecção das maquetes, suprimimos esta etapa.
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Fotos-objetos aa
Embasava essa proposta a suposição de que os participantes da oficina deteriam uma sensibilidade tátil apurada. Entretanto, apenas os cegos de nascença possuíam essa destreza, possivelmente desenvolvida com o uso da leitura em Braille. Já os participantes que se tornaram cegos recentemente, e não dominavam essa linguagem, tiveram dificuldade de identificar as alterações criadas.
A partir dos comentários durante os encontros introduzimos modificações na confecção das fotos-objetos. Uma alteração visou realçar a espessura das áreas de planos. Já nas fotos de composições foi produtivo permitir a retirada das peças correspondentes a cada objeto ou grupamento, como em um quebra-cabeça.
Passeio na Praça do Papa - foto-objeto quebra-cabeça
Passamos com frequencia a recortar o contorno do objeto ou de um conjunto para permitir, além de um tatear, o manuseio da foto buscado quase que instintivamente entre os participantes da oficina. Adotamos também o uso de fotos coloridas devido à curiosidade dos participantes sobre as cores das roupas, objetos, prédios e elementos da paisagem retratados.
Passeio no Museu Ferroviário da Vale do Rio Doce – fotos-objetos de locomotiva com participantes e detalhe
Fotos-objetos dos passeios - paisagens
As cenas dos passeios, devido à complexidade de informações e sobreposições, tiveram que ser introduzidas destacando alguns elementos e suprimindo outros.
Quando apresentamos, por exemplo, a foto-objeto com participantes brincando nas gangorras tendo ao fundo um prédio, os participantes tiveram dificuldade em compreendê-la. Oferecemos então uma foto-objeto de recorte das pessoas na gangorra e outras duas do prédio, expondo sua fachada frontal e lateral, permitindo discutir a proposta do arquiteto de assemelhá-lo a um navio.
Outra solução produtiva foi expor amplitudes diferentes de um espaço. Um exemplo disso foi a foto de grupo na Praça do Papa tendo ao fundo um navio, notificado na ocasião por Joana aos participantes. Este navio foi apresentado ampliado em outra foto-objeto para melhor contato tátil.
Este artifício também foi utilizado na cena do bar do vagão no Museu da Vale do Rio Doce. Ela foi trabalhada em três fotos-objeto: uma panorâmica que incluía o bar, outra do complexo do bar (o vagão e a área coberta) e finalmente de uma cena interior com três participantes juntos a uma árvore situada na área coberta.
As fotos panorâmicas de paisagens foram bem recebidas e propiciaram situar o entorno da região visitada. Serviram também para ilustrar comentários de videntes sobre a paisagem, como foi o caso do deslumbramento expresso no momento em que subíamos o mirante localizado na Praça do Papa.
A foto dessa paisagem além de descortinar o panorama com que se deparam os videntes, viabilizou uma discussão estética sobre os elementos visuais que possivelmente os encanta, como a repetição de padrões presentes nas formas arredondadas das pedras em primeiro plano e das montanhas ao fundo, o contraste entre as áreas com texturas (da vegetação rasteira, dos musgos nas pedras, dos barquinhos, prédios e matas nos morros) e o plano liso do espelho da água do mar. A presença predominante de formas arredondas, por sua vez, criam uma atmosfera de aconchego e envolvimento.
Vista panorâmica a partir do mirante da Praça do Papa - foto-objeto com relevo e textura
Percebemos que o ideal seria apresentar fotos-objetos de vários ângulos de cada elemento com que entram em contato durante o passeio, antes de expô-los incluídos em uma cena. Essa proposta não invalida o trabalho com vistas onde o excesso de sobreposições apresenta o caos visual a que os videntes entram em contato diariamente. Estas situações propiciam introduzir, por exemplo, o conceito de foco.
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O corpo nas fotos-objetos dos passeios
A construção de fotos-objeto a partir dos registros realizados durante os passeios permitiu, aos participantes, o contato com posturas variadas dos próprios corpos e os dos amigos em situações diversas como caminhadas, subida de morro e em ônibus, brincadeiras em balanços e gangorras, acrobacias nos portais dos trens, etc.
Essa experiência propiciou relacionar o próprio corpo com os dos demais e com objetos e equipamentos urbanos como ônibus, prédios, paisagens.
Agradecimentos
Ao Instituto Jones dos Santos Neves que me liberou por quatro meses duas tardes semanais para desenvolver este trabalho em parceria com a Biblioteca Pública Estadual.
À Rita de Cássia Maia, diretora da Biblioteca Pública Estadual do Espírito Santo, pela receptividade à proposta da oficina.
A Maria Joana de Souza, bibliotecária responsável pelo Setor Braille da Biblioteca Pública, e a sua equipe, Bernadete Costa e Elizabeth Mutz, pelo acolhimento, apoio e acompanhamento crítico durante todo o processo, indispensáveis para o amadurecimento da proposta da oficina.
Ao professor José Carlos da Silva por suas observações e sugestões.
Aos participantes da oficina, Fábio Busato, Fernanda de Oliveira Basílio, Gledson Gomes, Hérica Micheli Ferreira, Ingrid Araújo Soares, Leizimara Silva dos Santos, Lucileide Alvarenga A. de Souza, Nathieli Carolina Ferreira e Wanderson Campos de Souza, pelo envolvimento e disponibilidade durante todas as atividades sugeridas, e por ampliarem minha visão sobre os sensores que dispomos para captar o mundo e a vida.